sábado, 26 de setembro de 2015

Crônica- No ritmo da Música


CRÔNICA
No ritmo da música
... a sala de aula deve ser a extensão da casa,
onde o ambiente de amor familiar prevaleça.
Faz algum tempo, visitava com um amigo professor o Centro Cultural Vergueiro, em São Paulo, SP. De passagem, observávamos um grupo de adolescentes a ensaiar coreografias de street dance, aqueles acrobáticos e harmoniosos movimentos em vários estilos ao som de ritmos bem marcados. À medida que a música fluía, vi que, sem dúvida, dedicavam-se com empenho à sua arte.
Enquanto se divertiam, de maneira saudável, ressalto, o velho mestre disse: “Olhando para eles assim, buscando granjear empatia, quem não é professor nem sequer imagina o estresse que alguns desses podem causar na sala de aula”. Respondi-lhe que, por mais que as novidades cheguem, o ser humano permanece o mesmo. Certos padrões comportamentais continuam a se repetir ao longo dos tempos.
Mudamos de assunto e, depois de alguns minutos, despedimo-nos, ambos tomando o metrô em sentidos opostos. Entretanto, a frase dita pelo professor me acompanhou em meus pensamentos. Como algumas ideias levam a outras, lembrei-me de meu amigo Paulo Roberto, casado com Maria da Graça, professora universitária e cientista de muitas credenciais, que me contou fato ocorrido durante aula ministrada pela esposa em uma universidade. Ressalto que a mestra é dessas que preparam a aula e a transformam em ato de amor, ou melhor, em obra de arte.
“Situação mais surreal, meu irmão”, ele afirmou exagerando um pouco a indignação, no limiar teatral da ira. Acompanhara a esposa, que ia dar a aula inicial naquela noite. Depois iriam namorar no cinema. Sentou-se na fileira da frente. Segundo seu relato, não haviam decorrido cinco minutos, quando três rapazes se levantaram, sem nada dizer, e cruzaram a soleira da porta. Passados uns dez minutos, duas moças fizeram o mesmo. À medida que a aula prosseguia, outros trios e duplas saíram. Ao final, restavam menos de um terço dos alunos. Era de esperar que prestassem atenção à aula; porém, desatentos, na verdade entretinham-se conversando amenidades. A lista de presença, que passou de mão em mão, retornou com todas as assinaturas. “Isso é que é fenômeno paranormal – coisa mais inexplicável...”, disse meu amigo.
O esposo da professora não sabia, a seu ver, se o pior fora a evasão ou as conversas intermitentes entre os que permaneceram na sala. Ele não conseguia entender por que “uma aula excelente como aquela – sedutora em si, pois explica a própria vida – não despertava interesse naqueles (in) discentes”: nem nos que saíram sem pedir licença, sem dar um boa-noite; nem nos que ficaram conversando outros assuntos entre si, sem acompanhar a aula. “Não tinham o menor interesse em fruir a aula”, ele concluiu. Comentei que, pelo menos, fora um desrespeito pacífico, sem desacato ao professor.
Ainda permitindo que uma ideia me levasse a outra, lembrei-me do que me contou um livreiro lusitano. Nos primórdios da Universidade de Coimbra, em Portugal, há mais de seis séculos, existia uma espécie de quarto de detenção para alunos indisciplinados. Se respondessem mal ao professor, ou manifestassem qualquer falta de respeito, eram trancafiados ali por determinado tempo. Parece-me que, em nossos dias, com a evolução dos costumes, essa forma de punição jamais retornará. Felizmente. Penso que a sala de aula deve ser a extensão da casa, onde o ambiente de amor familiar prevaleça.
Lembro-me de ter comparecido à reunião pedagógica no colégio onde uma de minhas filhas estudava e constatei que a escola ainda pode ter o controle da situação, se todos estiverem de acordo. Conforme palavras do diretor, o estudante deve ser o maior interessado nos resultados positivos que o modelo de ensino adotado visa proporcionar. Por seu lado, sem ser repressiva, a escola faz questão absoluta da observância de um mínimo de disciplina para que possa pôr o programa em prática.
Assim, desde que verificada alteração na conduta do aluno, na primeira vez ele recebe advertência verbal. Na segunda, esta se formaliza por escrito, informando os responsáveis quanto ao ocorrido. Na terceira, sofre suspensão de um dia, do que os pais deverão ficar cientes. Na quarta, o aluno retorna à casa levando com ele protocolos para providenciar sua transferência.
Não sou adepto de ações radicais no tocante à pedagogia – qualquer radicalismo é inaceitável –, acredito que professor e alunos não devem abdicar do diálogo saudável, que integra e constrói, como uma via de mão dupla que torna a viagem menos estressante. A consequência é que todos têm a ganhar. Tudo se resume, em última análise, na manutenção do amor ao saber e no respeito mútuo.
Esta não é uma comparação, mas tanto no tocante à escola pública quanto à particular, em que pese a distância no tempo, não há grandes diferenças entre os jovens da antiga Coimbra e os de agora. São os velhos alunos de sempre. Aqueles, hoje, já não poderiam ser detidos em um quartinho. Os alunos de hoje têm até a liberdade de entrar e sair da sala de aula sem dar satisfações ao professor, além de abusar das conversinhas inoportunas. São novos modos de vida.
Existe uma terceira via, contudo, como desenvolver uma pedagogia poética, em que escola e alunos busquem atingir resultados sem traumas e sem tédio, privilegiando a criatividade, o que pode evitar reincidências nos padrões (in) disciplinares. Apesar das bem-vindas novidades – muitas se constituindo em passos à frente –, algumas regras ainda são necessárias: é preciso fluir com elas no ritmo da dança, até que tudo seja só música. Afinal, é preciso que sempre se demonstre amor à arte.
Ah, Maria da Graça e Paulo Roberto tinham ido assistir Sociedade dos poetas Mortos.

 *Por J. G. Pascale, jornalista e escritor.

Um comentário:

  1. Excelente crônica do J.G.Pascale que conheço faz alguns anos. Sem querer contrapor a tese, entendo que a educação dos filhos tem inicio no berço, ou melhor, no ventre materno. Voltando ao passado longíquo, me recordo um fato ocorrido em sala de aula, quando transitava eu pelo 3ºano primário. Num flagrante desrespeito à mestra dessa turma, um dos alunos - o mais velho diga-se, que há muito desencaminhava os garotos com seus gestos e atitudes obscenos - a essa época garotos e garotas estudavam separados - numa atitude de revolta,atirou o seu caderno no rosto da professora,dizendo-lhe asneiras, quando o diretor que mais parecia um general, foi chamado, o retirou pelo braço conduzindo-o a diretoria, providenciando a sua expulsão da escola. Naquele tempo aluno expulso não podia requerer matricula em outra escola por pelo menos, um ano.
    Quase nada mudou em relação ao comportamento humano; de certa forma até piorou, por que atualmente em nome de direitos humanos, é comum libertar-se presos perigosos, mantendo reclusos os ladrões de bananas.

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